O barulhinho incessante,
apenas comparável àquele som de ar condicionado dos antigos.
O barulhinho incessante que contradiz com a suposta estabilidade de vôo.
Na verdade, nao passam de turbinas, eu suponho. Sei lá por onde
começa a funcionar um avião. O barulhinho incessante lembra
o som que vem da tevê quando transmitem jogos do japão. Pééééé.
A não ser pelas luzinhas no teto e meu escasso laptop de monitor azul incandescente, estamos na penumbra. Os filmes acabaram, os programas em vídeo n‹o inspiram cinco minutos de concentração. Meu laptop de planilhas e fichas de leitura ent‹o ganha vida, graças a uma bateria sabiamente recarregada a tempo e normas de vão mais liberais comparadas às brasileiras. Por isso é bom voar por estas pequenas companhias áereas européias, elas demoram mais a incorporar legislação estranguladora de liberdade do passageiro. Ou será que se desenvolveram mais rapidamente a ponto de dispensar o terrorismo do não-use-isso-nem -aquilo? Pééééé. Este é aquele horário do vôo que o breu do céu que aparece pela janelinha é interrompido pela luzinha (olha outra aí) piscante da asa. Eu sempre pego asa. Talvez seja Deus me dizendo, se for pra alguém dar o aviso da turbina falhar, que seja você, que o fará sem muito alarde, e até provavelmente esqueça. Fumaça. Olhar arregalado. Breu. Pisca. Luzinha. Esquecido. Uma turbina falhando. Não, eu não esqueceria. - BLANKET SIR? - Wha..oh, thanks. Aeromoças belgas. Aerotoscas. mãos grandes e pintura mal feita. E um talento raro na arte de gritar sussurrando. Sexy? você não diria isso no meu lugar. Perdido agora. Olho para o laptop e vou apagá-lo, pegar meu discman e fazer um favor a mim mesmo e largar meus neurônios por umas 2 horas que sejam. <<<<<<<<<<<<<<<<<<<<shut down>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> Ninguém fica com um músculo no lugar se tenta dormir num avião, mesmo neste de meia dœzia de lugares ocupados ou mais. Mais, sem dœvida. de qualquer forma, poltronas vazias e luzinhas no teto continuam dando o tom assim que acordo tentando desenrolar o fio do headphone do meu braço. Minha cabeça está voltada para o corredor. Se uma das aerotoscas passasse agora receberia uma mordida. E eu receberia voz de prisão em plena Belgiumair. Porque nestas horas sempre tem uma autoridade. Lei de eddie murphy, diria um ex-colega de trabalho, eras atrás no Brasil. Ela está desenhando. Na falta de uma definição melhor, ela está desenhando. Rápida. N‹o tinha reparado nela quando entrei no avião. Estranho. Ela está a umas 5 poltronas na minha frente. Rabisca intensamente e pára. De novo e pára. Balança o lápis entre os dedos. Eu penso em eficiência e uma personalidade de pouca conversa, daquelas mulheres que só estravazam em momentos escolhidos, especialmente longe de gente que quer puxar conversa à toa. - SIR, please... Lá se vai meu ponto estratégico de observação. Olho para a aerotosca e desisto da mordida. O headphone vai parar no chão. Perdi a visão dela. A velha falta de vontade de tomar uma atitude ousada está aqui, bem do meu ladinho. As luzes se acendem, fujam pupilas. Resolvo ir ao banheiro. Num avião, qualquer avião, todos somos reduzidos a um humilhante momento, a fila para o banheiro. Diferente de uma boate lotada ou de um estádio de futebol, na fila para o banheiro impera a lei do silêncio. Sabemos todos pq estamos aqui mas isso não é desculpa para conversa. Anyway, já é quase minha vez e lembro que a escova de dentes está na agora distante poltrona. Pânico sœbito e autodepreciação em 15 segundos. Mas e a mulher que desenhava? Ah, sim. O motivo zero, o motivo beta desta espera para usar o banheiro agora dorme 2 poltronas em frente. Ou pelo menos tenta dormir. Os dedos procuram o ponto bem entre os olhos na altura da testa, ali onde todos os problemas se encontram para pular violentamente no sótão do cérebro. Tudo bem, vamos especular. Ela é designer, com uma dead-line intransferível e preparando a grande virada de mesa para uma reunião importantíssima a qual poderá ser o pulo do gato da sua empresa ultra-fuckin cool. Oops. Minha vez de entrar no banheiro. E agora que ela ia abrir os olhos. 45 segundos no relógio abro a porta de sopetão mal disfarçando a vontade de ver os olhos dela do lado de fora. Banco vazio. Catzo. Não existem muitos lugares para se distrair num avião e ... - Excuse me... - Ah...oh..yeah..des..sorry.. O velho e bom papel de idiota. Ela bem na minha frente esperando a vez de entrar no banheiro. Olho pro chão. Um real para cada vez que eu olhasse para o chão e uma dívida externa de terceiro mundo seria paga. Percebo, ainda que já desviando de outro banco com uma criança babando, que ela diz um thank you já empurrando a portinhola do banheiro e desaparecendo. Eu penso num truque qualquer de mágicotecnológico, daqueles que a mulher entra num cubículo e despaparece após uma explosão. E agora for something completely different...ficar rondando o banheiro? sim nao sim nao sim nao.... >>>>>>>>>>>>>>>>>>startup>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> Nada como se esconder atrás
de um monitor. Senão vejamos, ela sairá do banheiro e perceberá
que eu estou trabalhando e virá me perguntar se eu não poderia
mandar um e-mail para ela ou quem sabe irá me lançar um olhar
-solidário-i can picture you naked right now-como é complicado
trabalhar com prazos ex’guos nos dias de hoje.
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